NA PANDEMIA É POSSÍVEL UMA MELHOR SAÚDE MENTAL

Em Portugal, no dia 3 de maio, foi decretado o estado de calamidade. O recolhimento domiciliário passou a ser um dever cívico e a manutenção das medidas de caráter excecional validam a vivência de situações fora do comum e excecionais.

Para além do que é proibição há o que é permitido, segundo um plano de transição com medidas diferenciadas para cada fase. Assim, entrámos num processo gradual de levantamento de restrições – com oportunidades, riscos e ameaças – e para garantir a nossa segurança o Governo anunciou que não hesitará em dar “um passo atrás”.

Quais as nossas espectativas, o que esperamos? O que nos trará o final do confinamento? Uma seguinte crise? Ou mesmo, uma oportunidade de mudar?

A dúvida, o medo e a incerteza são presenças contínuas nos dias de hoje e, de maneira diferente para cada um de nós, são causa de stress, ansiedade, angústia e insegurança. Há a sensação, a ideia, ou mesmo, o conhecimento e a experiência que a vida está pior. Hoje é a escassez e amanhã o que será?

A melhor gestão destas emoções, sentimentos e vivências passa pelo seu reconhecimento e aceitação como naturais – reações de adaptação – e assim, criar condições em cada um de nós que permitam minorar as formas que o sofrimento for tomando, procurando atentamente uma solução conveniente para voltarmos a sentirmo-nos seguros e confiantes, tanto no presente como no futuro.

Importa ter em consideração que, na maioria das situações, a ansiedade, a tristeza, o stress, a frustração, a desesperança, por exemplo, são reativos e proporcionais ao nível de tragédia, perda, luto, isolamento, incerteza tanto no que respeita à saúde e bem-estar como no domínio laboral, económico e financeiro. São consequências de uma situação de stress prolongado e seria apressado e incorreto considerá-las como patologia.

No entanto, pessoas com condições psiquiátricas pré-existentes ou especificidades próprias, tais como quadros ansiosos e/ou depressivos, sintomatologia obsessiva acentuada, quadros psicóticos, comportamentos aditivos – sejam do âmbito da alcoologia, sejam do consumo de substâncias ilícitas – comportamentos suicidas e perturbações do controle do impulso, podem merecer uma observação clínica especializada mais próxima e/ou necessitarem de um ajuste da medicação.

As crises – crivo, ato de separar, momento decisivo – também são oportunidades para compor o caminho, os novos passos a dar.

Do confinamento, emergiram outras condições para reorganizar papéis e funções na família, por exemplo.

No quotidiano, partilhamos o sentimento de solidão, medos, receios, desafios e ameaças, mas também as mesmas esperanças. Deste modo, constitui um percurso possível e até crucial, sermos capazes de recomeçar e de comportarmo-nos de um modo mais responsável, focado na realidade e na solidariedade.

Sugestões a considerar e para refletir

  • A conexão social proporciona o sentimento de segurança.
  • A apreensão, o medo e a tristeza são emoções naturais. Asseguram a sobrevivência e fomentam a coesão social.
  • O pior prognóstico, imaginado ou anunciado, não tem de acontecer.
  • A quem se sente triste não dizer “não estejas triste”.
  • Os dias surgem mais cinzentos. O cansaço, a incerteza, a insegurança, a apreensão, a preocupação e, por vezes, o desespero emergem. Reconhecê-los, “olhá-los de frente”, é uma via para dissipar o sofrimento e assegurar que este mundo de emoções que eclodem hoje não gerará necessariamente um problema grave no amanhã.
  • No misto da preocupação e do desespero, atentemos ao que a nós próprios dizemos e falamos. Notar e ponderar que há momentos em que nos culpabilizamos, autopunimos por situações imprevisíveis e não dependentes da nossa vontade, dos nossos próprios passos, por vezes, desmerecemos mesmo as nossas capacidades e qualidades, não nos sentindo capazes nem à altura do que as situações exigem. Falar de modo claro e distinto, é o melhor caminho.
  • Permitir que aflorem os “pesadelos” de hoje e do futuro é um modo de arejar, criar uma tempestade de ideias. Os “pesadelos” impedem viver com confiança e inibem também o eclodir das ideias necessárias para nos guiarmos com prudência e sabedoria nos tempos que correm. Mesmo que, no início, possa ser penoso e difícil, o exercício da confiança, o banir “pesadelos” é saudável e um ponto de partida para nos sentirmos mais seguros.
  • Contudo, não deixarão de existir momentos nos quais criamos condições que sabotam o nosso caminho mais saudável e salutar. Recriminamo-nos, oprimimo-nos, importunamo-nos e até nos mortificamos com erros de terceiros, descurando-nos e negligenciando-nos a diversos níveis, como o total “esquecimento” de horários e compromissos, até mesmo cuidados de higiene do quotidiano. 

É importante sermos ousados, preparando, programando e listando os diferentes momentos do dia, das tarefas a executar, tanto em casa como na dimensão social e profissional, mesmo que por escrito, num papel ou no telemóvel. Precisamos de acreditar na nossa força e capacidades para nos reinventarmos como pessoas.

  • Dar livre curso à zanga, à fúria e à raiva parece que nos concede um sentimento de controle, criando até a ilusão de nos prometer identificar o “autêntico e único responsável e culpado” do nosso mal. 

Atenção! Deste modo, criamos um “bode expiratório”, um simulacro e tamponamos, obstruímos todo um nosso mundo do sentir. Assim, a ansiedade, a tristeza, o desespero por exemplo, ficam aprisionados até transbordarem sem modo, nem jeito. A ilusão compromete a compaixão.

Lidar e ventilar todo este mundo que sentimos é correr as cortinas, abrir a janela de par em par, olhar o céu, deixar raiar o sol. 

Mens sana in corpore sano (“uma mente sã num corpo são”). Assim, tal como José Régio na Toada de Portalegre, poderemos dizer:

“Vento suão! obrigado…

Pela doce companhia

Que em teu hálito empestado

Sem eu sonhar, me chegava!


E a cada raminho novo

Que a tenra acácia deitava,

Será loucura!…, mas era

Uma alegria

Na longa e negra apatia

Daquela miséria extrema

Em que eu vivia,

E vivera,

Como se fizera um poema,

Ou se um filho me nascera”.   

                       

António Fonte (Psiquiatra)

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